Por Flávio Calife e Yan Cattani

No início de 2015, de acordo com o relatório Focus do Banco Central (BC), o mercado esperava um crescimento para a economia brasileira de aproximadamente 0,5%. No entanto, as expectativas mostraram-se excessivamente otimistas. O ano passado foi um período notavelmente negativo em quase todos os setores.

Para o varejo não foi diferente: a despeito das expectativas iniciais de crescimento em torno de 2%, os dados consolidados do IBGE registraram queda recorde de 4,3% para 2015, reflexo principalmente da corrosão da renda e do aumento do desemprego.

A rápida deterioração do cenário dificultou a gestão das empresas do varejo, que passaram o ano com estoques altos e tiveram que acelerar o ajuste nas despesas principalmente a partir do 2º trimestre de 2015.

Apenas no estado de São Paulo, mais de 60 mil vagas formais foram eliminadas. Ainda assim, muitas empresas não resistiram à crise e tiveram de fechar as portas: a CNC estimou em mais de 100 mil o número de estabelecimentos que tiveram de encerrar suas atividades em 2015, e o setor foi aquele que apresentou o maior aumento percentual no número de pedidos de falências.

Tais efeitos, somados à inflação elevada e ao conservadorismo crescente dos consumidores, prejudicou especialmente as vendas de bens duráveis: no setor de móveis e eletrodomésticos, por exemplo, o recuo foi de 14% no ano. O fraco desempenho do varejo, porém, também se estendeu a setores que comercializam bens de primeira necessidade, como o de supermercados, que registrou queda de 2,5% no período.

No cenário de crédito, o ano também será recordado por combinar péssimos resultados em termos de expansão de crédito e inadimplência. Com notável queda da concessão de recursos direcionados, categoria que passou de uma expansão de 6,2% em 2014 para uma queda de 18,9%.

Já para a inadimplência, considerando os recursos livres pelo lado das famílias, após três anos de estabilidade observou-se majoração da taxa em 0,8 p.p. no ano, com resultado de 6,1%. Para as empresas, a inadimplência registrou o pior resultado da série histórica do BC, 4,5%, também para os recursos livres.

Como perspectiva, com os índices de risco de crédito em alta e os de segurança na concessão em seu menor nível histórico, não há cenário plausível para que haja uma mudança de cenário em termos de concessão de crédito.

Com um horizonte de previsão de aproximadamente seis meses para a taxa do BC, o Índice de Risco de Crédito da Boa Vista SCPC registrou no último trimestre de 2015 uma continuidade da deterioração das variáveis de crédito, fator que deverá implicar em aumento da cautela por parte dos concedentes, o que por sua vez deverá culminar em uma provável elevação dos spreads nos próximos meses.

Em termos de concessão de crédito, os altos níveis de inadimplência das famílias sugerem que a categoria de recursos livres continue em franca desaceleração. Já por parte das empresas, os dados do Índice de Confiança do Empresário no Comércio, fornecidos pela FecomercioSP corroboram a hipótese de que a inadimplência também siga a mesma direção dos recursos destinados às famílias.

Todos estes efeitos de arrefecimento da oferta e elevação da inadimplência tendem a impactar diretamente nos indicadores de consumo. Combinado com os recordes também negativos da confiança dos agentes econômicos, o cenário colabora para criar um fenômeno poucas vezes observado na economia, quando os demandantes simplesmente desistem de tomar crédito e ainda assim quando de fato o realizam, tomam-no sem a garantia de pagamento para necessidades predominantemente básicas –fato que já se observa no setor de utilities, com as recorrentes negativações de consumidores em contas consideradas “essenciais”, como energia elétrica, por exemplo.

Nas empresas, o acúmulo de estoques representa um grande risco para sustentabilidade dos negócios, que diante de juros elevados, sugere que retomada das encomendas junto a fornecedores e indústria não deverá vir tão cedo. De fato, as perspectivas de mercado já preveem queda na produção industrial para 2016, seguida de modesto crescimento no ano seguinte, de 0,5%.

Por fim, pode-se dizer que o mau desempenho de todos os indicadores dos mercados de varejo e de crédito estão de alguma maneira ligados ao menor consumo das famílias observado, que obteve significativa piora ao longo de 2015. Após registrar uma queda em torno de 4%, esta variável pode ser considerada como chave para compreensão do atual quadro de recessão econômica.

Com o atual nível de juros, inflação em patamares insustentáveis e perspectiva de maior desaquecimento do mercado de trabalho, o consumo dificilmente poderá ser motivado neste ano. A esperança para que aconteça uma inflexão da tendência desta variável fica postergada para 2017, mas somente no caso de uma melhora desses aspectos conjunturais que cerceiam o consumo, única possibilidade para concretizar de fato uma retomada sustentável do crescimento da atividade econômica.

(*) Artigo originalmente publicado pelo site do IBEF (Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de São Paulo) em 23 de março de 2016.