Seria o fato de falarmos português uma das causas do elevado spread bancário no país?

Por Vitor França | Economista da Boa Vista

*Com Kauê Motta, Estagiário da área de Indicadores e Estudos Econômicos da Boa Vista

 

O spread bancário é a diferença entre os juros que os bancos pagam para as aplicações financeiras e o que eles cobram pelos empréstimos.

De acordo com dados do Banco Mundial, em 2017 o Brasil possuía o segundo maior spread do mundo (38,4 pontos percentuais), atrás apenas de Madagascar (45 p.p.) e bem à frente dos demais.

Por que um spread tão alto?

Especialistas apontam a elevada inadimplência, as despesas administrativas, os tributos, os depósitos compulsórios, a dificuldade de recuperação de crédito inadimplentes e o alto grau de concentração bancária entre as principais causas.

Sobre esta última, costumam destacar o fato de que os cinco maiores bancos do país respondem por cerca de 80% das operações de crédito. Ante a baixa concorrência, as instituições financeiras teriam maior poder de mercado e, com isto, cobrariam taxas de juros maiores.

Há, porém, quem discorde, argumentando que na Holanda, por exemplo, embora a concentração bancária seja até maior do que no Brasil, o spread é muito menor.

Estudo recentemente divulgado pelo Banco Central (BC) vai ao encontro desta argumentação e mostra que o grau de concorrência no mercado de crédito explica apenas uma pequena parcela do spread bancário.

Para isto, o BC utilizou microdados com informações de operações de crédito em nível local e constatou uma fraca correlação entre concentração e spread. Em outras palavras, com pouca frequência os locais com elevada concentração eram também os que apresentavam os maiores spreads.

Esclarecida a questão?

Longe disto.

Isto porque, em economia, é muito difícil inferir a causalidade entre duas coisas. Os dados, muitas vezes, mostram apenas se e como as variáveis se relacionam, mas é difícil dizer o que efetivamente causa o quê.

Pelo estudo do BC, por exemplo, concentração bancária e spread não se mostraram duas variáveis muito correlacionadas. Muito se aproveitaram, então, para afirmar que, portanto, o problema dos spreads não estaria na elevada concentração bancária.

Elevados spreads, por outro lado, também poderiam atrair mais competidores, resultando em menor concentração exatamente nos locais onde os spreads são maiores.

Confuso?

Um exemplo muito comum utilizado nas aulas de estatística econômica para explicar a diferença de correlação e causalidade neste tipo de problema é a relação entre criminalidade e número de policiais.

Governantes tendem a alocar mais policiais em locais onde os índices de criminalidade são maiores. Ou seja, neste caso, haveria uma correlação positiva entre criminalidade e policiais, quando o esperado, em termos causais, seria exatamente o contrário – que o maior policiamento resultasse na redução do número de crimes.

Uma análise precipitada, portanto, ao identificar uma correlação positiva, poderia deduzir que o maior policiamento não é efetivo ou até que estaria causando maior criminalidade.

Da análise dos dados de spread bancário ao redor do mundo, encontramos outro exemplo curioso para ilustrar os perigos de se confundir correlação com causalidade.

Conforme é possível observar no gráfico abaixo, países que têm o português como idioma oficial (Brasil, São Tomé e Príncipe, Timor Leste, Moçambique, Angola e Cabo Verde) se destacam entre os que apresentam os maiores spreads bancários do mundo.

O problema, então, seria falar português? Para reduzir o spread, uma medida seria, quem sabe, mudar o nosso idioma oficial?

Outros poderiam apontar não o fato de que todos esses países falam português, mas o de que todos foram colonizados por Portugal. Uns mais afoitos já poderiam teorizar a respeito da exploração colonial portuguesa, que teria gerado consequências sociais mais graves, como uma maior desigualdade de renda, por exemplo, do que a colonização espanhola ou inglesa, resultando na maior necessidade de empréstimos por parte de uma população mais pobre e menos instruída nestes países...

Os dados, porém, não negam nem confirmam nada disto, apenas apresentam uma curiosa correlação. Qualquer explicação para além disto, assim, é uma construção narrativa, muitas vezes movida por ideologias ou mesmo pela defesa de determinados interesses.

Longe de querer esgotar a polêmica questão em torno das causas do elevado spread bancário no Brasil, antes de concluir o artigo, gostaríamos apenas de apresentar mais dois fatos.

  1. Conforme é possível observar nos gráficos abaixo, apesar da significativa queda da inadimplência das operações de crédito com recursos livres para pessoas físicas a partir de 2016, o spread médio das operações de menor risco (que não incluem cheque especial e cartão de crédito, por exemplo) mantém-se em um patamar elevado.

As taxas de juros das modalidades rotativas foram reduzidas, é verdade – por força da ação do próprio Banco Central, que, em 2018, alterou as regras do rotativo do cartão de crédito e do cheque especial, obrigando os bancos a oferecerem linhas de crédito mais baratas após um determinado período de financiamento naquelas modalidades.

2. Outra causa apontada pelos especialistas para o elevado spread bancário no país é a alta participação das operações com              crédito direcionado. O argumento é o de que quem tem acesso a elas paga juros menores, de forma que os demais, nas                  operações de recursos livres, teriam de arcar com custos maiores, como forma de compensação. Conforme mostram os                  gráficos abaixo, porém, apesar da participação cada vez menor dos recursos direcionados no saldo de crédito do Sistema                Financeiro Nacional, não se notam variações significativas, ou na mesma magnitude, nos spreads das operações de crédito              não rotativo.

Enfim, parece haver muito mais coisas por trás do nosso elevado spread bancário do que imagina a nossa vã ciência econômica.