Por Flávio Calife e Yan Cattani
Os mercados se animaram rapidamente após as mudanças políticas ocorridas ao longo de 2016 e os indicadores de confiança de consumidores e empresários subiram por vários meses consecutivos, indicando uma mudança significativa nas expectativas de consumo e investimentos.
O relatório Focus de abril 2016 apontava expectativa de crescimento para 2017 de 0,2%. O otimismo elevou as projeções para 1,36% já em setembro. Mas as expectativas não se transformaram em fatos: o consumo continuou recuando e os investimentos ainda avançam timidamente, esperando sinalizações mais seguras de mudanças na política econômica e de aprovação das reformas desejadas pelo mercado. Devido a estes fatores, o ano encerrou com um ceticismo bem maior: 0,5% de crescimento para 2017.
Mas nem tudo são más notícias. Dois indicadores fundamentais para a retomada do consumo e dos investimentos iniciaram o ano com boas perspectivas. A inflação recuou rapidamente e fechou dentro do teto da meta e os juros básicos da economia estão caindo de forma mais acentuada que o previsto, com expectativa de continuidade de queda para ambos os indicadores ao longo de 2017.
Examinando o histórico dessas variáveis desde a criação da Selic em março de 1999, somente em outras 5 ocasiões essa conjunção de juros e inflação cedentes ocorreu, a saber: outubro de 1999, maio de 2003, maio de 2005, dezembro de 2008 e em setembro de 2011. Com exceção da primeira ocasião, onde prevalecia um cenário internacional bastante adverso e variáveis bem voláteis, todas as demais situações apresentaram um PIB retraindo-se, mas que poucos meses depois acabou por inflexionar sua tendência. Sendo mais direto: o efeito de contenção da demanda doméstica pelos juros em um primeiro momento arrefece a atividade, mas na segunda etapa fornece um cenário com melhores expectativas, o que por sua vez estimula um crescimento mais vigoroso.
Com relação aos juros, a queda da taxa básica, que por si só já impõe uma melhoria das condições de financiamento das famílias e empresas, também possui uma externalidade positiva que já começa a ser observada. Juntamente com as expectativas de recuo dos índices de inflação, o rápido declínio da Selic tem estimulado os principais bancos brasileiros a reduzirem suas taxas de juros finais aos consumidores e empresas. A expectativa de redução da inadimplência, com seus efeitos diretos sobre os spreads, também ajuda a completar o quadro.
Repetindo a história recente, novamente os anúncios de redução começaram com bancos públicos, mas desta feita, diferentemente do ocorrido em 2012, as reduções não são fruto de um contexto político específico em que o governo usou os bancos estatais como impulsionadores da queda das taxas de juros. Evidência disso foi a simultânea e espontânea adesão dos principais bancos privados, que já anunciaram quedas nas taxas e acirraram a concorrência no mercado.
Também conta a favor o fato de que as operações de crédito vêm perdendo gradualmente a importância para o faturamento bancos. Quando analisados os 5 maiores bancos do país, observamos que em média o crédito foi responsável por 52,3% das receitas líquida de janeiro a setembro de 2016, cerca de 10 p.p. a menos do que o registrado no mesmo período de 2012. Com a queda da demanda por crédito dos consumidores e o aumento do risco em emprestar – principalmente PJ -, os bancos foram substituindo sua principal fonte de receitas por outras atividades, como Tesouraria, Seguros e Previdência, diminuindo o impacto da redução dos juros sobre as receitas.
É definitivamente o fim da chamada “tempestade perfeita”. A melhoria das expectativas finalmente consubstanciou-se em melhorias reais, práticas, visualizadas pelos agentes econômicos. Contudo, ainda falta a ativação concreta do mercado de trabalho, para assim voltarmos a reengrenar um ciclo virtuoso de renda.
Uma vez que os indicadores para o mercado de trabalho ainda deverão caminhar em ritmo lento, a população voltará a consumir de forma gradual, retomando somente assim, um equilíbrio entre demanda e oferta de crédito de forma sustentável. Essa é a agenda de curto prazo.
No entanto, o caminho para a reconstrução econômica do país no longo prazo ainda deverá ser tortuoso. A começar pela retificação das regras de projeção orçamentária para os próximos 20 anos, já aprovadas pelo Congresso Nacional, podemos dizer que tocamos apenas a ponta do imenso iceberg que está porvir. A próxima pauta, a reforma da Previdência, bem mais polêmica, deverá garantir maior estabilidade nos investimentos para o país, afastando o risco de “default” de médio prazo. Outro tema, já no horizonte do Congresso é a reforma trabalhista, que também deverá demandar bastante esforço político em Brasília.
As inúmeras reformas que envolvem grande mobilização política e da sociedade deverão sustentar uma agenda agressiva de mudanças. Sem entrar nos méritos da “justiça social”, como teorizado pelo filósofo John Rawls, a única certeza é que a mudança institucional preconizada é a de garantir uma agenda econômica sustentável para o país, diminuindo consideravelmente o risco “Brasil”. Se “a longo prazo estaremos todos mortos”, vale a pena focarmos agora em nossa agenda mais imediata, sem, contudo, deixar para depois problemas já tantas vezes protelados.
(*) Artigo originalmente publicado pelo site do IBEF (Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de São Paulo) em 27 de fevereiro de 2017.