Por Flávio Calife e Yan Cattani
Desde novembro de 2016, o indicador do Movimento do Comércio calculado pela Boa Vista SCPC vem gradualmente se recuperando quando observado na aferição acumulada em 12 meses, ainda que apresente um ritmo de recuperação menor do que o esperado no início do ano. Contudo, para as próximas aferições aguardam-se resultados mais otimistas, uma vez que os efeitos da redução de juros iniciada no terceiro trimestre de 2016 devem ser observados com maior intensidade, assim como uma melhoria dos níveis de renda, continuidade da redução do nível de preços, entre outros fatores.
Na avaliação acumulada em 12 meses (junho de 2016 até maio de 2017 frente ao mesmo período do ano anterior) ainda observamos queda frente aos 12 meses antecedentes, hoje de 3%. Apesar do número negativo, o resultado é bem melhor do que a queda de 5,5% medida em novembro de 2016, sobre a mesma base de comparação. De lá para cá, existe, portanto, uma tendência clara de melhora.
Pela primeira vez em dois anos, as primeiras datas comemorativas do ano abriram 2017 com crescimento nas vendas em relação a 2016. Dados da Boa Vista SCPC mostraram que em 2017 as vendas do comércio para a Páscoa cresceram 2,2% quando comparadas ao mesmo período do ano anterior. Em 2016 as vendas apresentaram queda de 5,8%, e em 2015 a retração foi menos intensa (-0,3%).
As vendas do comércio para o Dia das Mães (segunda data mais importante para o comércio) cresceram 1,6% em relação ao ano anterior, após quedas de 4,6% em 2016 e 1,2% em 2015.
Dessa forma, completando as datas comemorativas do primeiro semestre, as vendas no Dia dos Namorados aumentaram 2,6% quando comparadas a 2016, resultado bastante otimista quando comparado às vendas de 2016 e 2015, que caíram em termos interanuais 5,8% e 0,5%, respectivamente.
Caminhando na mesma direção das vendas, a demanda por crédito do consumidor também entrou em tendência de recuperação. Depois de recuar fortemente ao longo de 2016, atingindo uma queda de 10% nos valores acumulados em 12 meses até novembro, o indicador (calculado pela Boa Vista SCPC) inflexionou, apesar de ainda apontar uma retração de 6,9%.
Essa grande queda, ocasionada preponderantemente pelo cenário de grande cautela e aversão ao consumo por parte das famílias, teve como principais fatores condicionantes as altas taxas de juros, rendimentos reais negativos e desemprego elevado, que se deterioraram fortemente no biênio da crise doméstica.
No entanto, agora a perspectiva de redução de juros e de inflação começa a aumentar a confiança dos agentes e, consequentemente, contribuir para a retomada do crescimento da procura por crédito a partir do segundo semestre deste ano.
De maneira semelhante, já pode ser considerado o efeito de algumas mudanças extraordinárias, tais como a liberação de recursos do FGTS ( que desde março deste ano injetou mais ânimo nos agentes econômicos, aumentando a disposição das famílias em consumir) ou mesmo da implementação de melhorias estruturais no mercado de crédito (a exemplo da mudança das regras do rotativo do cartão de crédito, retomada da discussão do Cadastro Positivo, entre outras mencionadas pelo BC em seu programa intitulado “Agenda BC+”). É, portanto, uma guinada em direção ao crescimento em outra frente da economia.
Olhando para os efeitos colaterais da tomada de crédito, ou seja, para o endividamento e a inadimplência, as notícias também não são ruins. O endividamento das famílias continua em sua trajetória de queda. Se considerarmos somente o último o ano, o endividamento passou de 44% no início de 2016 para 41,9% na última medição do Banco Central, de abril de 2017.
O mesmo comportamento pode ser percebido na inadimplência das pessoas físicas. Desde dezembro de 2015 o não pagamento de contas vem recuando, mesmo que lentamente, passando de 6,10% para 5,86 em abril de 2017, considerando os recursos livres.
Já com relação à inadimplência das empresas, os dados apresentam grande deterioração no período, com os níveis aferidos pela autoridade monetária passando de 4,46% para atuais 5,62%, mantida base de comparação. Contudo, nos últimos dois meses este nível permaneceu praticamente estável, corroborando o resultado do indicador de Inadimplência das Empresas da Boa Vista SCPC, que apresenta desaceleração do crescimento desde meados de 2016.
De fato, são melhorias visíveis, porém tímidas e, portanto, ainda devem ser comemoradas de forma receosa, em razão do ambiente de deterioração econômica – principalmente quando os problemas no mercado de trabalho ainda são demasiadamente drásticos.
Considerada a principal força motriz da economia, a diminuição do emprego e conjuntamente da renda, atuou no sentido de reduzir significativamente a capacidade de pagamento dos consumidores. Isso afetou o caixa das empresas em um segundo momento, ocasionando uma verdadeira onda de inadimplência e insolvência. E este cenário ainda não se mostrou vigoroso o suficiente caso algum contratempo ocorra.
Nesse sentido, ainda se espera o capítulo final ocasionado pelos deletérios desdobramentos políticos, que travaram os projetos de reforma previdenciária e trabalhista propostos no Congresso Nacional e que acabaram por estancar o ensaio de retomada econômica apresentado até então. Com isso, os próximos meses serão decisivos para entendermos qual foi o tamanho do estrago causado por estes novos acontecimentos.
Dito de outra forma, uma nova onda de pessimismo começa a ser erigida e seus efeitos são totalmente imprevisíveis, com viés negativo para toda sociedade. Os avassaladores efeitos de uma “nova tempestade perfeita” sobre a economia, isto é, um novo processo impeachment presidencial e bloqueio das reformas estruturais podem jogar por água abaixo todos os pequenos avanços reconquistados recentemente.
(*) Artigo originalmente publicado pelo site do IBEF (Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de São Paulo) em 23 de junho de 2017.