Por Flávio Calife e Yan Cattani
O SCPC participou ativamente da história da popularização do crédito em nosso país, que se iniciou em meados dos anos 1950, quando as vendas a prazo começaram a se disseminar. O crediário, modalidade que se expandiu rapidamente entre os varejistas, possibilitou um grande avanço das vendas do setor, mas trouxe consigo também a inadimplência como fator condicionante de seus resultados financeiros.
Imbuída desse desafio, há 60 anos a Associação Comercial de São Paulo (ACSP) criou em 1955 o Serviço Central de Proteção ao Crédito (SCPC), dando um importante passo em termos institucionais para o desenvolvimento e expansão do mercado de crédito brasileiro. A organização de uma relação centralizada e organizada de inadimplentes alavancou e ajudou a consolidar as vendas a prazo como uma realidade na economia brasileira.
O uso do crédito até então se limitava ao setor empresarial, para aquisição de bens de alto valor agregado, ou para aquisições no mercado imobiliário; esta modalidade de crédito particularmente também possuía linhas destinadas às famílias, sob condições muito peculiares. Era, portanto, uma ferramenta de consumo subutilizada e bastante seletiva no que se refere aos seus usuários. Entretanto, a partir da década de 90, houve uma verdadeira quebra deste “paradigma” do mercado de crédito.
A partir de 1994, os dividendos sociais adquiridos com a estabilização da moeda possibilitaram um expressivo aumento dos ganhos reais para a população, período que também coincide com o primeiro grande fluxo de entrada de novos usuários de crédito.
Ocorre que, diante da possibilidade de resgatar décadas de exclusão econômica, esse novo consumidor alavancou-se de forma excessiva por meio da utilização do crédito, trazendo também consequências negativas à economia. Essa rápida expansão combinada com o pequeno histórico de seu uso pela população consumidora gerou uma grande inadimplência para o sistema financeiro, com seu primeiro grande abalo datado em meados de 1995.
Com o avanço da microinformática, entrada de novos players internacionais no mercado bancário brasileiro e até mesmo programas de reestruturação bancária realizados pelo governo, o sistema financeiro brasileiro iniciou uma agressiva busca por competitividade. O grande empenho das financeiras e bancos nos investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) acabou por promover uma rápida revolução em todo o mercado de crédito.
A partir de então, modelos passaram a ajudar a tomada de decisão não somente na etapa da concessão, mas também em áreas de cobrança, prevenção de inadimplência e manutenção da carteira de clientes. Todo o ciclo do crédito ficara mais protegido, garantindo grande segurança nas transações bancárias e aumento do volume de negócios.
A partir de 1998 os modelos de score de crédito se multiplicaram. A ACSP entra para vanguarda através da criação do conhecido como “book de variáveis”. Esta inovação permitiu uma análise muito mais completa dos consumidores com base no acompanhamento histórico comportamental de centenas de variáveis individualizadas, isto é, separadas por CPF.
Ao mesmo tempo, melhorias normativas contribuíram de forma extremamente positiva para este mercado, como por exemplo a instituição da Alienação Fiduciária de bens imóveis (1997), a implementação do Crédito Consignado (2003) e a Lei de Falências (2005), entre outras.
Ainda assim, mesmo após a revolução ocasionada pelos modelos preditivos de análise de crédito, houve ainda outros dois movimentos importantes de elevação de inadimplência. Um decorrente de fatores exógenos derivados da crise internacional de 2008 (que influenciou negativamente o mercado de trabalho e acarretou em uma brusca interrupção da atividade econômica como um todo). Outro em 2011, quando os concedentes exageraram na dosagem de crédito destinada ao financiamento de veículos, com grande facilidade na concessão, longos prazos e entre outras facilidades nas condições de pagamento.
Nessa última grande onda de popularização (anos 2000 em diante), o mercado de crédito intensificou ainda mais o uso de informações sobre este novo consumidor, mais exigente, diversificado e ativo, mas que além de todas as exigências também buscava encurtar prazos de aprovação de crédito e melhores as condições de um mercado com características completamente diferentes das situações anteriores, fatores que impulsionaram ainda mais a sofisticação dos modelos de análise de crédito do SCPC.
Desde 2003, a ACSP estruturou uma área específica de modelagem estatística (Analytics), que passou a realizar análises específicas sobre o comportamento de consumidores e empresas, passando a utilizar inclusive uma estrutura com modelos híbridos – isto é, com troca de dados entre os clientes e a ACSP, aumentando exponencialmente o volume de dados estudados. Essa estrutura permitiu o desenvolvimento de um enorme banco de dados, levando os modelos de score a atuarem também nos setores não-bancários, multiplicando a presença do SCPC em outros setores da economia, principalmente no comércio varejista.
Por fim, pode-se dizer que mesmo com as grandes mudanças econômicas e sociais observadas nos últimos 60 anos, o princípio de atuação do mercado de crédito continua o mesmo. Ao obterem mais informações sobre seu provável cliente, as empresas conseguem oferecer melhores condições de negócio, barateiam os custos derivados dos riscos de inadimplência, aumentando a concessão e a qualidade do crédito total do sistema financeiro.
Os consumidores, por sua vez, beneficiam-se na medida em que não se abstêm mais do consumo de muitas mercadorias. Dessa forma, alcançam maior poder de negociação frente aos lojistas, bancos, prestadores de serviços, usando cada vez mais o crédito a seu favor.
Com a alta popularização do crédito nas últimas duas décadas como uma ferramenta de consumo, as crescentes demandas exigiram uma série de inovações tecnológicas, entre elas, a sofisticação e assertividade dos modelos de análise de crédito. Eixo fundamental da atuação recente do SCPC, que mais uma vez cria um verdadeiro marco institucional, não só para o mercado de crédito, mas para toda a economia brasileira.
(*) Artigo originalmente publicado pelo site do IBEF (Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de São Paulo) em 11 de dezembro de 2015