Por Flávio Calife e Yan Cattani
O desenvolvimento institucional do mercado de crédito tem acontecido de forma pouco satisfatória nos últimos dez anos. Não que inovações não tenham ocorrido no período, mas poucas foram realmente efetivas, e em verdade, praticamente toda essa produção passou distante de alguns dos notórios marcos legais dos anos anteriores, tais como lei do crédito consignado (2003) ou mesmo a lei de falências (2005).
No entanto, tem sido fortuita a agenda de reformas econômicas estabelecidas pelos atuais chefes da equipe econômica, isto é, Fazenda e Banco Central. A preferência pela condução de pautas consideradas de longo prazo tem contribuído para melhoria das expectativas futuras dos agentes econômicos e temas de importante peso voltaram aos holofotes de nossa realidade, situação não vista desde a época subsequente ao Plano Real, quando imperavam crises e reformas das mais variadas estirpes.
Tais projetos de prazo mais extenso envolvem não só a elaboração de novas leis, medidas provisórias etc., mas também uma verdadeira ressureição de outras tantas regulamentações que, somadas às diversas instâncias de análise de nosso poder Legislativo impedem maior celeridade do ritmo de aprovação dessas normas. Ainda assim, de uma forma ou de outra, o espírito para as reformas microeconômicas no campo crédito tem caminhado de modo robusto recentemente.
Uma das regulamentações mais aguardadas é a mudança das regras do Cadastro Positivo. Criado em 2011, a opção adotada pelo opt-in dos consumidores (quando o consumidor escolhe se quer participar e para qual empresa quer disponibilizar seus dados positivos) acabou por impossibilitar o funcionamento adequado do sistema como ocorre nos demais países do mundo, cuja regra em vigor é justamente a do opt-out – todos já começam dentro do sistema e abertos a todas empresas, podendo sair a qualquer momento.
O projeto de lei que retoma o correto e original modelo do opt-out é o de nº 85, de 2009, redefinindo o conceito de sigilo bancário. Na primeira versão, a disponibilização de dados positivos foi erroneamente interpretada como uma violação de sigilo. Assim, distorcendo o objetivo real do Cadastro, que é informar os aspectos comportamentais de pagamento antecipado e/ou em dia dos consumidores e empresas, enriquecendo as análises de crédito e possibilitando a diminuição de spreads e juros finais.
Para não conflitar com a interpretação oblíqua da lei, no novo projeto ressalta-se que os aspectos que não estiverem vinculados à análise de risco de crédito, tal como “origem social e étnica, à saúde, à orientação sexual e às convicções políticas, religiosas e pessoais dos cadastrados” ficam terminantemente excluídos da análise.
Outras evoluções de âmbito internacional também foram incorporadas à agenda microeconômica do país. É o caso da regulamentação das plataformas digitais de financiamento e da revisão da lei de falências e recuperação judicial.
No primeiro caso, as plataformas eletrônicas de investimentos participativos necessitam ter um registro prévio na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para que então seu funcionamento seja regularizado oficialmente. Contudo, há uma barreira de entrada para os projetos que vislumbram tal financiamento, uma vez que o mínimo necessário para início das operações é possuir uma exigência mínima de capital no valor de R$ 100 mil, além da identificação dos investidores participantes e os devidos registros de transações e informações requeridas.
Também aguardada pelo mercado das chamadas fintechs, a regulação dos modelos de negócio conhecidos como peer-to-peer lending (empréstimos de pessoas para pessoas) deve ser colocada em audiência pública pelo Banco Central já em agosto. Com a nova regulamentação, as empresas não precisarão mais estar associadas a uma instituição financeira para atuar na concessão do crédito, atuando como um correspondente bancário direto. Espera-se que as medidas fortaleçam a segurança do negócio e, principalmente, reduzam os custos (juros) e elevem a quantidade de operações.
No caso da revisão das normas e procedimentos de solvência empresarial, algumas inovações deverão facilitar captação de recursos extraordinários por meio da venda de ativos das empresas em crise. Essa medida, que hoje não é legalmente permitida, mas que na prática muitas vezes ocorre, contribui para que o modelo de recuperação judicial brasileiro se aproxime do americano, aumentando a probabilidade de recuperação e celeridade do processo.
Ademais, outra mudança, de ordem mais importante, é a questão do chamado “DIP finance”, que é a regulamentação do processo de inclusão de um novo credor na dívida. Atualmente, quando um novo credor vem resgatar uma empresa que já estava endividada, as garantias ofertadas pelo devedor para esse novo financiamento acabam sendo objeto de conflito entre o novo e os velhos credores, os quais pela lei atual possuem vantagem na execução de um possível processo de falência. O processo e hierarquia seriam agora definidos e organizados por lei, diminuindo os riscos do novo credor, aumentando a atração de novos credores e chances de recuperação da empresa insolvente.
Por fim, na lei de falências deverá cair também o período mínimo de fiscalização, atualmente fixado em dois anos. Após iniciado o plano, tal procedimento era utilizado para fiscalizar se o devedor está efetivamente cumprindo os pagamentos acordados e, no caso no descumprimento dos tratos, a empresa pode incorrer numa falência decretada pela Justiça. O problema é que, durante o período, a empresa necessariamente passa por um aumento dos gastos com fatos exteriores à operação da empresa, como, por exemplo, as custas judiciais, honorários advocatícios, assessorias especializadas, além da restrição a novos créditos no mercado. Este aditivo diminui seus custos de recuperação.
Esses são os exemplos mais recentes de como micro mudanças podem gerar externalidades extremamente positivas em um âmbito macroeconômico. Contudo, há de se pesar ainda o efeito da instabilidade política atual, que posterga não só esses projetos, mas todos e qualquer um que esteja na pauta do Congresso. Por ora, só nos resta esperar por bons desdobramentos e persistência dessas ideias. Afinal, só a Microeconomia salva.
(*) Artigo originalmente publicado no site do IBEF (Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de São Paulo) em 25 de julho de 2017.