Por Flávio Calife e Yan Cattani
Os últimos 2 anos foram memoráveis para nossa economia. Raras vezes na história foram vistas deteriorações generalizadas de todo nosso setor produtivo.
Sem distinção, a depressão atingiu praticamente todos os tipos de mercado, até mesmo aquele que sustentou boa parte de toda a bonança vivenciada na primeira década deste século: o crédito.
De modo menos aparente e menos traumático que em outros setores (como nos mostrou o setor industrial por exemplo), os desdobramentos da crise ocasionaram a redução das concessões e consequentemente do estoque total de crédito. A inadimplência, por sua vez, manteve-se relativamente estável, sustentada pela concentração no portfólio de recursos direcionados – usualmente destinados a financiamentos de maior prazo e menor juros, contrários aos livres, utilizados mais intensamente para o consumo.
Por parte da oferta de crédito às famílias, a menor demanda agiu no sentido de controlar a oferta, Demonstrando, de certa forma, uma maturidade do consumidor, que através de sua redução de consumo acabou diminuindo a tomada de empréstimos e consequentemente ajudou a tornar a inadimplência em situação estável.
Por outro lado, para as empresas, o aumento dos atrasos e do fluxo de inadimplência a partir do terceiro trimestre de 2014 acarretou em uma drástica redução das concessões categorizadas como crédito rotativo, em especial para as linhas de capital de giro. Como consequência, a elevação do estoque de inadimplência (e mesmo das falências) acabaram por estrangular o setor produtivo, que após considerável queda de demanda em seus setores, não conseguiu ainda se recuperar, simplesmente caminhando de lado, presos à âncora que os afundou.
Ou seja, por mais que recentemente tenhamos vivenciado uma grande inversão de expectativas dos consumidores e empresas para o cenário econômico, a partir do segundo trimestre do ano, a situação real ainda é incapaz de consubstanciar tais perspectivas, uma vez que a escassez derivada das linhas rotativas acaba por atingir a atividade produtiva.
Tomemos como exemplo desta afirmação os indicadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A começar pela indústria, de acordo com a Pesquisa Industrial Mensal (PIM), o pior resultado da indústria desde a crise de 2009 ocorreu em maio, quando a produção diminuiu 9,8% na variação acumulada em 12 meses. No entanto, valores muito próximos a esta magnitude foram registrados desde o início do ano até agosto (conferindo uma média negativa de 9,4%), sendo o melhor resultado anual registrado na última aferição – em setembro houve queda de 8,8%.
Mantida base de comparação, a Pesquisa Mensal do Comércio (PMC) mostrou que para as vendas varejistas a média anual aferida até setembro fora negativa em 6,2%, com o pior resultado ocorrendo em julho (quando registrou cedeu 6,8%). Já para o setor de serviços, contabilizado pela Pesquisa Mensal de Serviços (PMS), replicou-se exatamente a mesma dinâmica, com uma média negativa de 4,5% registrado desde o início do ano até setembro, sendo seu pior desempenho realizado em agosto (mostrou queda de 5%, fato repetido em setembro).
Essa estabilidade (ou mesmo uma tímida recuperação) dos setores produtivos e diminuição da oferta de crédito têm em comum uma única variável: o consumo das famílias. Aferido pelo indicador de Contas Nacionais (também do IBGE), esta variável encontra-se pelo sexto trimestre consecutivo em patamar negativo (quando avaliado pela variação acumulada em quatro trimestres), caindo atualmente 5,7%, de acordo com os valores registrados no segundo trimestre.
Próximo a data de divulgação dos dados do terceiro trimestre, é esperada desaceleração da atual tendência de queda, o que deverá influenciar mais decisivamente as demais variáveis econômicas.
Tal resultado, por sua vez, é esperado devido às observações das variáveis de mercado de trabalho. Recentemente, tanto os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), divulgados pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social, como os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD, do IBGE) vêm evidenciando uma melhora nas tendências de desemprego.
No CAGED, apesar de em termos agregados ainda prevalecer um saldo mensal negativo entre admissões e desligamentos no mercado formal, alguns setores como comércio e indústria por exemplo, já mostraram nos últimos meses valores positivos.
Na PNAD, que mede tanto a situação formal como informal, o desemprego já desacelera de forma considerável, beirando a estabilidade, fator que deverá trazer a taxa de desemprego para baixo já no início de 2017.
Com o maior alento do mercado, futuramente a tendência cadente dos rendimentos reais (aferida somente entre aqueles que continuam ativos na população economicamente ativa) deverá se inflexionar, dado o maior ingresso de mão de obra e, portanto, valorização de salários que esta relação entre oferta e demanda por trabalhos ocasiona.
Por fim, o que devemos manter em mente é que com a melhoria do mercado de trabalho (leia-se diminuição do desemprego e rendimentos reais positivos), a população voltará a consumir de forma mais intensa que atualmente, tomando crédito de forma sustentável, demandando mais produtos e serviços. O que por sua vez deverá aliviar o caixa das empresas, que poderão saldar suas dívidas em atrasos, melhorando os juros finais cobrados aos agentes econômicos, aumentando as concessões e assim sucessivamente.
Portanto, é fundamental reaquecer o mercado de trabalho, para assim voltarmos a reengrenar um ciclo virtuoso de renda.
(*) Artigo originalmente publicado pelo site do IBEF (Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de São Paulo) em 19 de dezembro de 2016.