O trabalho dos especialistas que analisam a avalanche de dados gerados pelas empresas já atrai o interesse de companhias como a IBM e a EMC, para transformá-los em negócios.
Nos dias atuais, em plena era da informação, os computadores permitem às corporações, universidades e aos governos gerar e armazenar uma quantidade inimaginável de dados. Trata-se, sem dúvida, de uma conquista formidável, mas é preciso dizer também que isso trouxe um problema. O mundo está imerso em um volume tão grande de números, textos, relatórios, fotos e vídeos que é cada vez mais difícil extrair algum tipo de informação útil desse oceano digital. É nesse contexto de excesso de informação que surge um novo tipo de profissional no mercado de tecnologia. Trata-se do cientista de dados. Sua função é, em meio a essa montanha de dados, garimpar aqueles que podem ser úteis para gerar receita. A tendência começou nos Estados Unidos, onde empresas como Google, Facebook e PayPal publicaram anúncios como vagas para cientistas de dados.
A novidade não tardou a chegar ao Brasil. No fim do ano passado, a Boavista Serviços Financeiros decidiu contratar um profissional só para cuidar das suas informações. O escolhido foi Mário Faria, ex-diretor da IBM, que hoje possui até mesmo o cargo de Chief Data Officer, ou executivo-chefe de dados da Boavista. No cargo, ele se ocupa do fluxo de informações como um todo. “Sou responsável pela coleta e por garantir a qualidade dos dados”, afirma Faria. “É preciso colocar alguma inteligência nas informações para que elas tenham valor.” O trabalho de Faria não é simples. Ele estima, por exemplo, que tenha de lidar diariamente com dez mil fontes distintas de dados. Uma de suas funções mais complexas, no entanto, é integrar áreas distintas da empresa, como marketing e operações, de forma que as informações produzidas em cada uma delas possam ser utilizadas em conjunto.
Isso significa organizar o trabalho de 130 pessoas. “Muitas dessas áreas ficavam dispersas na companhia”, afirma o executivo. Apesar das dificuldades, os resultados já aparecem. Por meio do cruzamento de diferentes bases de dados, ele criou produtos para a Boavista, como um serviço antifraude que evita golpes com CPFs de pessoas falecidas, algo muito comum no varejo. Diante dessa nova realidade, o que é preciso para ser um cientista de dados? Segundo o brasileiro Pedro Desouza, que exerce essa função na empresa de tecnologia EMC, nos EUA, é primordial ser um especialista em matemática e estatística. “Ser PhD ou ter doutorado em ciências da computação ou engenharia é um requisito básico”, afirma.
“É preciso também ter conhecimento do mercado em que pretende atuar.” Mas engana-se quem pensa que o trabalho seja indicado para o clássico “nerd”, um indivíduo que sabe tudo de bites e bytes, mas não tem muita desenvoltura para a comunicação. Um dos atributos de um cientista de dados é saber se expressar sem usar linguagens técnicas. Isso porque o objetivo do trabalho é tornar os dados inteligíveis para quem não tem conhecimento científico. “Tem de fazer as perguntas certas”, afirma Desouza. De olho nessa nova função, a Universidade Cruzeiro do Sul abriu neste ano uma pós-graduação de gestão e governança de dados. Segundo Rossano Soares Tavares, professor do curso e presidente da organização internacional Dama (Data Management Association) no Brasil, o mercado de trabalho para quem quer se embrenhar nessa área deve crescer consideravelmente nos próximos anos.
“Existem projetos de lei que exigem uma espécie de contabilidade das informações das empresas. Há também a lei de acesso aos dados públicos, que tem potencial de gerar uma nova demanda”, afirma Tavares. Por trás do surgimento desse profissional existe um conceito que foi chamado de “big data” pela indústria. Companhias como IBM e EMC desenvolvem softwares que ajudam a explorar os dados armazenados diariamente pelos clientes. Segundo Fábio Gandour, cientista-chefe da Big Blue, a ideia é criar mecanismos que identificam informações relevantes de forma automática. Gandour explica que, nas empresas, boa parte dos dados é utilizada imediatamente.
Em uma fábrica de bebidas, por exemplo, as informações sobre a produção orientam a distribuição dos produtos. “Mas, se eu quiser saber que boteco vende mais refrigerante de laranja, começo a procurar uma agulha no palheiro”, afirma. Um cientista de dados, munido de ferramentas que utilizam o conceito de “big data” – armazenamento e cruzamento de uma quantidade infindável de dados digitais –, pode criar “gatilhos” que avisam os gestores quando determinado estabelecimento ultrapassar um limite de vendas. Assim, a empresa consegue criar estratégias mais eficientes. “No futuro, vamos minerar os dados da mesma forma que mineramos ouro”, afirma Gandour. Os garimpeiros, pelo menos, já estão disponíveis.