Endividamento em alta e crescimento fraco da renda impedem expansão acelerada e generalizada das vendas do varejo
Por Vitor França | Economista da Boa Vista
*Com Flávio Calife, Economista da Boa Vista
Entre o pior momento da crise recente do comércio varejista, em meados de 2016, e a greve dos caminhoneiros, em maio do ano passado, o varejo ganhava fôlego mês após mês, impulsionado, é verdade, pela liberação dos recursos das contas inativas do FGTS em 2017.
As paralisações, contudo, acabaram representando um ponto de inflexão na trajetória ascendente de crescimento do setor.
De uma queda em 12 meses de 10,4% em julho de 2016, as vendas do comércio varejista ampliado cresciam a um ritmo de 6,8% no mês da greve. Segundo os últimos dados do IBGE, em junho deste ano o crescimento, ainda em desaceleração, foi de apenas 3,7%.
Além da evidente perda de fôlego, o atual volume de vendas do varejo é 10% inferior ao registrado no pico de agosto de 2012 – apesar da recuperação registrada a partir de 2016. No ritmo atual, o varejo ampliado só retomará o nível de 2012 ao longo de 2022.
A greve, a incerteza decorrente das eleições de 2018 e o fim do impulso decorrente da liberação dos recursos do FGTS, porém, foram apenas fatores pontuais que se somaram a uma crise mais profunda do consumo, cuja raiz é o mercado de trabalho.
Entre junho de 2017 e junho deste ano, a taxa de desemprego caiu apenas 1 ponto percentual, de 13% para 12%, enquanto a taxa de subutilização da mão de obra (que inclui, além dos desocupados, os subocupados por insuficiência de horas trabalhadas e na força de trabalho potencial) segue em alta, tendo passado de 23,7% para 24,8% no mesmo período.
A quantidade de trabalhadores ocupados até cresceu nestes dois anos, de 89,9 milhões para 93,4 milhões, impulsionada, entretanto, pelo trabalho informal. Enquanto o número de empregados com carteira assinada caiu no período (-24 mil), aumentou o de empregados sem carteira assinada (+936 mil) e o de trabalhadores por conta própria (+1.734 mil).
Com isto, a renda real manteve-se praticamente estável (passou de R$ 2.270 em junho de 2017 para R$ 2.290 em junho de 2019).
A situação do mercado de trabalho ajuda, inclusive, a entender por que o mercado de crédito não tem sido suficiente para estimular o consumo, apesar de um cenário bastante favorável para a inadimplência.
Por causa de uma maior cautela das famílias e de uma maior seletividade dos bancos durante a recessão, a taxa de inadimplência das operações de crédito com recursos livres para pessoas físicas encontra-se atualmente em torno de 5%, próxima, portanto, ao menor patamar da história recente.
Esse cenário de menor risco estimulou a retomada dos empréstimos, o que resultou, contudo, em um rápido aumento do endividamento, que atingiu em maio de 2019 o maior valor (como proporção da renda) em três anos, de acordo com dados do Banco Central.
O fraco crescimento da renda também limita, portanto, a capacidade de endividamento das famílias, obrigando-as a fazerem escolhas.
A venda de veículos, por exemplo, foi uma dos que mais sofreu com a recessão de 2015 e 2016. A frota envelheceu e, somente a partir de 2018, foi possível notar o início de um processo de renovação, movimento favorecido pela redução dos juros e pelo aumento das concessões de crédito para o segmento.
Se, por um lado, esses empréstimos têm conseguido sustentar as vendas do setor, por outro, o maior endividamento dos consumidores parece acabar comprometendo a aquisição de materiais de construção, móveis e eletrodomésticos, segmentos também bastante dependentes dos financiamentos.
Enquanto as vendas de veículos apresentaram crescimento de 12,4% em 12 meses, as de móveis e eletrodomésticos recuaram 2% no mesmo período. As vendas de material de construção ainda crescem, mas o ritmo de expansão passou de mais de 10% em abril de 2018 para apenas 3% em junho deste ano.
Quando o cobertor é curto, cobre-se a cabeça, mas descobrem-se os pés.
Por falar em cobertor, as temperaturas mais baixas deste inverno acabaram favorecendo as vendas do setor de vestuário, já que as roupas e acessórios de frio costumam ter preços relativamente mais elevados. Isso ajuda a explicar as duas altas mensais consecutivas observadas em maio (1,8%) e junho (1,5%).
O fraco crescimento da renda em si, no entanto, também parece obrigar os consumidores a fazerem escolhas. Notamos, por exemplo, uma forte desaceleração das vendas dos supermercados ao longo deste ano – de 4% no final de 2018, o segmento cresce atualmente a um ritmo de 1% em 12 meses –, sugerindo que a alta no setor de vestuário parece muito mais associada à necessidade (os consumidores foram pegos de surpresa pela onda de frio) do que a qualquer melhora no poder de compra.
Em resumo, ainda não há sinais de aquecimento das vendas do varejo. O fraco crescimento da renda, o elevado nível de desocupação e subutilização da mão de obra e o endividamento em alta têm se mostrado grandes obstáculos para uma retomada acelerada e generalizada do crédito e do consumo.
A liberação dos recursos de contas ativas e inativas do FGTS anunciada recentemente pelo governo, diante deste contexto, mostra-se uma medida providencial para o setor, já que pode representar um alívio para os consumidores endividados e dar fôlego, com isto, às vendas do varejo. A expectativa é que a medida comece a ter impactos significativos no comércio a partir de setembro.
Ainda assim, trata-se de uma ação pontual e com efeitos temporários, que rapidamente se dissiparão – assim como em 2017 – sem uma melhora substancial da dinâmica do mercado de trabalho.