Por Flávio Calife e Yan Cattani
Durante o primeiro semestre do ano a atividade econômica foi marcada preponderantemente pela instabilidade do cenário político. Com o pior já superado, alguns sinais de melhora começam a ser identificados. Observando os dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV), os índices de confiança apresentaram melhorias notáveis, com níveis próximos ao de 2015. No caso do Índice de Confiança do Comércio, a trajetória já ultrapassa os valores de 2015, representando um maior dinamismo do setor frente aos seus pares de serviços e indústria, por exemplo.
Apesar de todos os indicadores de confiança virem apresentando um resultado melhor pelo lado da expectativa (índices de confiança são compostos por um indicador de expectativas e outro que avalia a situação atual do setor/economia), os dados consolidados do setor esboçam de fato uma real retomada de crescimento.
Tal diagnóstico é corroborado pela divulgação dos resultados semestrais da Pesquisa Mensal do Comércio (PMC) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Na última semana, os dados do setor finalmente começaram a mostrar ritmo mais forte de suas vendas. Quando feita a análise do volume pelo conceito restrito (isto é, todas as categorias varejistas exceto o setor automotivo e de construção civil), o resultado já beira a estabilidade – por ora é negativo em apenas 0,1%.
À primeira vista, tais dados podem não parecer realmente um grande trunfo, mas basta analisarmos os dados do ano passado, que caíram 7,0% na mesma base de comparação, para notarmos a evolução dos números. Mais ainda: se pegarmos a evolução interanual do trimestre o desempenho foi positivo em 2,5%, o que representa em termos anualizados uma alta de 7,6%.
Considerando a evolução dos dados da PMC ampliada (que considera também os setores de automotivo e de construção civil), a melhora é ainda mais evidente: segundo a variação acumulada no ano, a leitura foi de 0,3%, ante queda de 9,3% ocorrida no ano anterior. Ou seja, a aceleração de crescimento é maior nessa visão, puxada principalmente pelo bom desempenho das vendas de material de construção civil, que acumulam alta de 4,7% neste ano. Além disso, as vendas de veículos, que apesar de ainda se manterem com números negativos nos dados semestrais, continuam mostrando consecutivas retrações em suas aferições.
Em termos setoriais, os demais segmentos da PMC que apresentaram sinais positivos no acumulado do ano foram: Móveis e Eletrodomésticos, Equipamentos de escritório, Tecidos e vestuário e calçados e, de certa forma, Hipermercados e Supermercados, que apesar de apresentar resultado praticamente estável (-0,3% mantida base de comparação), possui uma representatividade de praticamente 50% de todas vendas varejistas.
Para obter uma análise mais detalhada, a Boa Vista SCPC selecionou os grandes players do varejo para realizar uma análise agregada dos resultados consolidados de seus balanços no segundo trimestre deste ano (2T).
Considerando o lucro líquido, houve um crescimento de 10,0 % entre o 2T16 e 2T17. O bom resultado do período se deve basicamente a uma redução de despesas financeiras no caso das empresas do setor de móveis e eletrodomésticos e também do segmento de cosméticos, enquanto o varejo têxtil repercutiu um aumento do desempenho das vendas.
Através da análise do ROA (lucro líquido dividido pelo total de ativos) e do ROE (lucro líquido sobre o patrimônio líquido), houve um resultado interessante. Enquanto no primeiro indicador pôde-se observar uma maior eficiência da amostra de empresas em transformar seus bens em lucros, no segundo os dados mostraram que a capacidade de gerar lucro com os investimentos realizados diminuiu de forma significativa no último trimestre, realidade enfrentada mais intensamente desde a segunda metade de 2015.
Na análise do EBITDA (lucro operacional), houve elevação de 17,0% entre o 1º semestre de 2016 e 1° semestre deste ano, valor expressivo em relação as variações anteriores. Considerando a Margem EBITDA (lucro operacional sobre receita líquida), o 2S17 foi marcado pelo retorno ao nível de 2011-2014.
Portanto, pode-se dizer que a melhora observada no último semestre, não se deve ao maior aporte de recursos e investimentos do setor, mas sim da redução de despesas e expansão de novas frentes, tais como e-commerce ou mesmo uma retomada de exportações.
De toda forma, apesar das adversidades dos últimos 2 anos, o varejo segue agora apresentando uma boa geração de caixa, fator que deverá ser intensificado devido ao aumento do consumo das famílias. A avaliação positiva dessa variável segue com perspectiva otimista, devido às melhorias do mercado de trabalho, com consecutivas diminuições do desemprego e aumento da renda real dos trabalhadores.
Outros fatores, contudo, também colaboram para melhoria dos resultados varejistas, como o menor nível de preços e a redução de juros e retomada de reformas microeconômicas, como o cadastro positivo (ainda em discussão) e a novas regras do rotativo (já em funcionamento), por exemplo, que impulsionam o consumo.
No entanto, apesar de um cenário bem mais positivo que o observado no início do ano, o resultado a ser consolidado em 2017 dificilmente atingirá um valor vigoroso, mas dada as condições adversas que ainda permeiam nossa economia, pode se dizer que há um indicativo concreto de que o comércio saiu definitivamente de sua abissal profundeza e ruma agora para um patamar positivo.
(*) Artigo originalmente publicado pelo site do IBEF (Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de São Paulo) em 29 de agosto de 2017.