Por Flávio Calife  | Economista da Boa Vista SCPC

Com Vitor França  | Economista da Boa Vista SCPC

Com  Isabella Roncada | Coordenadora de Produtos da Boa Vista SCPC

 

Ainda no primeiro mandato de FHC (1995-1998), a maior parcela do crédito no Brasil era originária de bancos públicos. A crise fiscal do período levou à privatização de bancos estaduais como o Banespa, por exemplo, adquirido pelo espanhol Santander.

Com isso, e com a melhora do ambiente econômico, já a partir de agosto de 2000 os bancos privados passaram a responder pela maior parcela do saldo das operações de crédito do país.

Importantes mudanças institucionais ocorreram nesse período, sendo a principal delas a Lei de Alienação Fiduciária de 1997, que criou as condições para a evolução do mercado imobiliário.

Entre 2003 e 2008, o mercado brasileiro passou por um novo período de importantes mudanças institucionais (regulamentação do consignado, em 2003; consolidação da alienação fiduciária e criação dos instrumentos de captação com lastro imobiliário, em 2004; lei de falências e recuperação de empresas, em 2005; lei dos consórcios, em 2008), o que colaborou para a forte expansão das operações de crédito até 2011, quando teve início uma política malsucedida de expansão do crédito público.

Para reduzir o impacto da crise financeira internacional na economia do país, a partir de 2008 foi observada uma significativa expansão do crédito público, que ganhou força principalmente a partir do primeiro governo Dilma (2011-2014), quando os bancos estatais passaram a ser utilizados também para pressionar para baixo as taxas de juros do mercado.

A recuperação da economia já em 2009 foi acompanhada pelo crescimento do espírito nacionalista e a expansão do crédito via bancos públicos tornou-se um pilar da nova política econômica. Em junho de 2013, a participação dos bancos públicos nos financiamentos voltou a superar a dos privados – algo que não era observado desde julho de 2000.

Esse movimento de expansão das instituições estatais durou até o final de 2015, quando o saldo das operações de crédito como proporção do PIB atingiu a sua máxima histórica (53,9%). De lá para cá, ela recuou para cerca de 47% em meados de 2017, patamar em que vem se mantendo desde então.

A nova crise fiscal enfrentada pelo país levou à reorientação da política econômica, com diminuição da participação dos bancos públicos no mercado de crédito. Com recursos públicos cada vez mais escassos, a retomada de reformas microeconômicas mostra-se um dos caminhos mais interessantes – e viáveis – para a retomada do crescimento.

Nesse sentido, a inclusão automática dos consumidores no Cadastro Positivo de crédito, aprovada no último 13 de março pelo Senado Federal, somada a outras medidas como a Duplicata Eletrônica, sancionada no final de 2018, tem tudo para inaugurar um novo ciclo virtuoso na história do mercado de crédito brasileiro, que deve ser impulsionado ainda pelos avanços tecnológicos e pela expansão das fintechs. Ótima notícia para consumidores, empresas e, é claro, para os executivos de finanças.

O que muda com o novo Cadastro Positivo?

Entre as falhas estruturais do mercado de crédito brasileiro, podemos citar os problemas informacionais. Com informações limitadas a respeito do comportamento de crédito dos consumidores – apenas os dados negativos, de inadimplência, estavam disponíveis para avaliação de riscos –, as instituições financeiras tendem a ofertar empréstimos com taxas de juros superiores à ideal.

O resultado é um equilíbrio com taxas médias elevadas e uma oferta de crédito aquém da desejada, além de uma elevada inadimplência, tudo devido a essa assimetria de informações.

O objetivo do Cadastro Positivo é exatamente corrigir esse problema informacional, separando os bons dos maus pagadores e possibilitando, com isso, que os credores ofereçam taxas diferenciadas de acordo com o risco, o que deve resultar na redução dos juros médios do sistema financeiro.

Ainda que as altas taxas de juros sejam reflexo também de outros fatores como impostos, falta de garantias, dificuldades na recuperação do crédito, compulsórios ou a falta de competição no setor, esse problema informacional sem dúvida ajuda a explicar por que, em 2016, os brasileiros pagavam uma taxa média de 52,1% ao ano, contra 31,2% observada na Argentina, 6,9% no México, 5,4% no Chile e 3,5% nos Estados Unidos, de acordo com dados do Banco Mundial.

Em 2011, o governo brasileiro regulamentou a lei que criava o Cadastro Positivo. Contudo, ao contrário do observado nas melhores experiências internacionais, a inclusão no Cadastro, no Brasil, dependia dos próprios consumidores, o chamado opt-in.

Como o benefício individual de se participar do cadastro não estava evidente, não havia incentivo suficiente para que os consumidores aderissem, o que limitou bastante o impacto positivo da medida e o número de participantes ficou muito aquém do esperado.

O projeto de lei aprovado agora no Senado deve corrigir essa distorção e abrir espaço para um novo ciclo de crescimento do mercado de crédito.

Isso porque as informações de pagamento de operações de crédito dos clientes de varejistas, bancos, financeiras e empresas de serviços continuados, a partir da sanção da lei e da regulamentação da medida, passarão a ser compartilhadas com os birôs de crédito, como a Boa Vista, o que deve colaborar para o aprimoramento das avaliações de crédito, elevando as taxas de aprovação de empréstimos e diminuindo a inadimplência e as taxas médias de juros.

Afinal, os concedentes de crédito, a partir de agora, terão condições de realizar operações muito mais assertivas e bem menos arriscadas.

Em outras palavras, será possível ofertar empréstimos com taxas de juros e prazos mais adequados ao perfil de cada cliente. Consumidores com comportamento positivo na utilização do crédito terão acesso a empréstimos com taxas menores, portanto.

A melhora da avaliação de risco e a maior disponibilidade de informações ainda devem favorecer instituições financeiras menores e fintechs, acirrando, com isso, a competição bancária.

De maneira geral, países que adotaram a inclusão automática no Cadastro Positivo apresentaram expansão dos empréstimos com queda da inadimplência.

Estudo de Barron e Staten (2003), por exemplo, mostrou que, nos Estados Unidos, o percentual de consumidores com acesso a crédito saltou de 40% para 75% após a inclusão das informações positivas. A taxa de inadimplência, por sua vez, caiu de 3,4% para 1,9% do volume de empréstimos.

Já de acordo com estudo do Banco Mundial, o Egito registrou um aumento de 136% no volume de crédito entre 2008 e 2016 após a adoção do Cadastro Positivo automático, com redução de 62% da inadimplência no período.

Na Itália, onde a maior parte das empresas é de pequeno e médio porte (e sem relacionamento bancário), a utilização do comportamento de pagamento da conta de água aumentou em 83% o público elegível a crédito nos bancos.

Na República Dominicana, por fim, o uso de score com variáveis positivas e negativas pelas empresas de telefonia fez com que, em 10 anos, 35% dos clientes pré-pagos passassem para pós-pagos, com redução de 70% da inadimplência em 15 anos.

Evidências internacionais apontam que um mercado de crédito desenvolvido e eficiente resulta em maior crescimento econômico. Se, para consumidores e empresas, o Cadastro Positivo significa maior acesso a crédito, com juros menores, para os executivos de finanças, esse novo marco no mercado de crédito brasileiro representa o surgimento de grandes oportunidades de negócio.

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Publicado originalmente no IBEF